Em meu recanto literário forço a memória para recordar a primeira obra ali impressa, e então viajo até o ano de 1986.
Vejo-me na sala de aula, na companhia de colegas cujos rostos ainda permanecem na lembrança, ao lado da professora que organiza os grupos para a representação teatral de Coração de Vidro, de José Mauro de Vasconcelos.
Escrito em 1964, o texto que trata do apogeu e declínio de uma fazenda hoje me parece atemporal.
Quatro histórias se entrelaçam em meio à vaidade, insensatez e orgulho, de forma a alertar jovens leitores para a necessidade daquilo que denominamos responsabilidade ambiental, àquela época tratada apenas como respeito pela natureza.
Minha primeira leitura foi realizada para o teatro da escola, e com isso me concentrei em decorar as falas e os modos de meu personagem para fazer bonito. Na peça fui Dona Raquel, uma sabiá que se empoleirava na mangueira Candoca para provar-lhe os frutos maduros, que durante o ato foi representado por uma maçã. Improviso da infância, sabe?!
Reli a obra no período das férias, e só então me dei conta de seu texto comovente:
“Muita coisa aconteceu para que novas experiências de vida se desabrochassem ante os meus olhos. Muitas horas felizes decorreram até que meu coraçãozinho quase arrebentou: acabava de descobrir que estava completamente em solidão...”. - O Aquário
“Candoca sentiu que não mais existia e foi-se encolhendo por dentro das raízes e fechou os olhos de vez, pra só abri-los no reino do Nada .” – A Árvore
Tenho hoje Coração de Vidro como um alerta lírico e poético para as crianças, possível de levá-las à reflexão sobre suas relações com o planeta.
Delicado, marcante e muito nutritivo. São as sensações despertadas pelo livro em mim, tal qual uma Mousse de Manga com Iogurte, cuja união do paladar, aroma e textura faz de seu sabor mais que um gosto que, subjetivo, é único.
A leitura vale a pena. Vale para você, para seu filho, para seu aluno…
Imagem: Getty Images