O Pássaro Raro, de Jostein Gaarder, é um prato modesto, gostoso e bem humorado, que dá certo trabalho para ser degustado, assim como um bom e tradicional Siri. É custoso, mas enfrentamos sua casquinha filosófica para saborearmos um conteúdo diferente e divertido.
A “casquinha de Gaarder”, servida nos 10 contos que compõem a obra, refere-se à teimosia do ser humano em permanecer escondido sob uma carcaça, mascarando sua real essência, às vezes se enterrando na tentativa de evitar circunstâncias que angustiam, paralisam e levam a questionamentos essenciais como “quem sou”, “de onde vim”, “o que faço”, “para onde vou”...
O gosto dos contos é potencializado por entradas específicas que antecipam ou complementam a absorção de cada um deles, mas que também podem servir de digestivos filosóficos para o ingrediente que está por vir.
“E os outros, será que as outras pessoas à sua volta realmente tinham conhecimento de que existiam? Será que elas estavam mais atentas do que um rebanho de vacas no pasto? Bem pouco, se tanto. Quem não chegou ao limiar da morte também não vivenciou a vida de verdade. A vida era algo que se pensava em enterros. Ou no máximo junto ao leito de um doente.” – O Diagnóstico, pág. 42
“Chamo sua atenção para algo que, segundo meus critérios, deveria abalá-lo nas suas mais profundas convicções, mas ele apenas abana a cabeça e prossegue apressadamente. Em vez de perceber que o mundo é fantástico, ele acha que estou fantasiando. E não entende absolutamente nada. Como ele precisa de um mundo previsível, ele me tacha de louco. Para que ele próprio não enlouqueça, convence a si mesmo de que alguma coisa está errada comigo. Na Antiguidade, cortavam as cabeças dos mensageiros de más notícias...”- O Crítico, pág. 119
Esse livro é um ótimo aperitivo para trabalhar questões filosóficas em sala de aula, já que os alunos poderão dividir a mesa de forma lúdica com Nietzsche, Hegel, Zaratustra e Buda, alguns dos convivas trazidos por Gaarder para essa refeição.
Para acompanhar o Pássaro ninguém melhor que o Moska, e sua interpretação de A Idade do Céu.