15 de outubro de 2010

O CÓDIGO DA VINCI



Ao levar o Código Da Vinci para a mesa espere por uma refeição, no mínimo, apimentada, preparada por Dan Brown de forma tão ardilosa que podemos facilmente renunciar ao cardápio da fantasia para fincarmos nosso garfo em prato histórico.

Instigante e polêmico, O Código Da Vinci faz arder nossa imaginação ao tratar o suposto relacionamento entre Jesus Cristo e Maria Madalena, o qual teria originado uma linhagem de descendentes que prossegue até os dias atuais.

“Evidências” deste relacionamento, que envolve documentos e sociedades secretas, relíquias sagradas e nomes como Issac Newton e Walt Disney, poderiam ser encontradas nas obras de Leonardo Da Vinci, conhecedor de segredos seculares e da conspiração do cristianismo.

Os principais personagens da obra de Brown são Robert Langdon, professor de simbologia de Harvard (cuja cátedra não existe), e Sophie Neveu, uma criptóloga que está intimamente ligada aos mistérios do Santo Graal. Juntos, Langdon e Sophie (adoro este nome) irão desvendar os dogmas da doutrina de Cristo, arrastando-nos com eles pela Europa.

“Uma vez que você abra seus olhos para o Santo Graal (...), vai vê-lo em toda parte. Pinturas. Música. Livros. Até nos desenhos animados, parques temáticos e filmes populares. Langdon ergueu seu relógio de Mickey Mouse e contou-lhe que Walt Disney havia dedicado sua vida inteira a transmitir a mensagem do Graal às futuras gerações. Durante toda a vida, Disney foi aclamado como ‘o Leonardo da Vinci moderno’. Ambos os homens estavam gerações adiante de seu tempo, eram artistas de um talento fora do normal, membros de sociedades secretas e, acima de tudo, adoravam pregar uma peça. Como Leonardo, Walt Disney adorava infundir mensagens ocultas e simbolismo em sua arte. (...) Não foi à toa que Disney recontou histórias como Cinderela, A Bela Adormecida e Branca de Neve – todas tratando do encarceramento do sagrado feminino. Nem foi necessário um pano de fundo de simbolismo para entender que Branca de Neve – uma princesa que foi rebaixada após comer uma maçã envenenada – era uma alusão clara à queda de Eva no Jardim do Éden.” Página 239

“Quando não existe resposta correta para uma pergunta, só há uma resposta honesta. A área cinzenta entre o sim e o não. O silêncio.”Página 368

Com muito suspense e uma convicção que indignou milhões de cristãos em todo o planeta, O Código Da Vinci traz à mesa uma história realmente intrigante, que vale a pena por se tratar de um bom romance de aventura, e não por questionar a veracidade de Cristo e sua divindade.

Saborosa e quente, assim como Frango ao Curry, a edição especial ilustrada é uma excelente opção para os que valorizam, também, o sentido da visão.

Ao som de canto gregoriano fica ainda mais convincente.

11 de outubro de 2010

MISTO-QUENTE



Depois de me servir de Charles Bukowski, em Misto-Quente, percebi que ele não é para qualquer um. Não é para mim!

Para comer com esse “velho safado”, como é conhecido, é preciso ter um estômago que agüente a companhia de um bêbado, sujo e nojento, que cospe em nossa cara histórias autobiográficas que fazem Nelson Rodrigues parecer contos de fadas.

Usando o alter-ego Henry Chinaski, e uma escrita sincera e extremista, Bukowski narra em Misto-Quente detalhes de sua vida que explicam a pessoa que ele se tornou, detalhes que no início me fizeram rir e acreditar, ingenuamente, que seu cardápio não era tão indigesto como diziam. Doce engano...

“Escutei meu pai entrar. Ele sempre batia a porta, caminhava pesadamente e falava aos brados. Ele estava em casa. Depois de alguns instantes, a porta do quarto foi aberta. Tinha 1,89 de altura, um homem grande. Tudo mais desapareceu: a cadeira em que eu estava sentado, o papel da parede, as próprias paredes, inclusive meus pensamentos. Ele era como a escuridão encobrindo o sol, a violência que ele exalava aniquilava por completo qualquer outra coisa. Ele era todo orelhas, nariz, boca, eu não podia olhar em seus olhos, havia apenas seu rosto vermelho e enfurecido.”Página 42

“Levantei-me e deixei a sala. Fui para casa. Então era isso que eles queriam: mentiras. Mentiras maravilhosas. Era disso que precisavam. As pessoas eram idiotas. Seria fácil para mim.”
Página 92

“Fui de barril em barril. Era mágico. Por que ninguém havia me falado a respeito disso? Com a bebida, a vida era maravilhosa, um homem era perfeito, nada mais poderia feri-lo.”
Página 105

Como não gosto de “fazer desfeita” forcei-me a comer, mas o sabor era tão chulo que, num dado instante, regurgitei. Foi aí que vi o quanto de pudor mora em mim.

O gosto de Henry Chinaski, um sujeitinho que parece ter nascido por castigo, não me agradou. E mesmo sabendo que suas falas representam mais que palavrões, deixei-o sozinho à mesa.

Saí às pressas, ao som de Bad Things, Jace Everett.

8 de outubro de 2010

A DISCIPLINA DO AMOR



Dá gosto saborear as iguarias que Lygia Fagundes Telles nos oferece nessa obra, irresistivelmente bem temperada com sua delicadeza, elegância e intensidade.

Composto por fragmentos do cotidiano, observações de viagens, reflexões filosóficas e apontamentos psicanalíticos, A Disciplina do Amor leva-nos a acreditar que saboreamos o próprio diário da autora, com relatos que, implicitamente, cozem um verdadeiro banquete de amor e vida.

“(...) que duro o julgamento desse próximo, medida de todas as coisas. Tão atento o nosso próximo. Atento e desatento: condena, absolve, aconselha, desaconselha e depois vai tomar chope, esquece. O objeto do julgamento – o réu – levando tudo tão a sério, fazendo e desfazendo. E o outro, como no poema, tirando ouro do nariz.”Senso de Humor, pág. 19

“(...) Tão difícil a vida e seu ofício. E ninguém ao lado para receber a totalidade (ou parte) do fardo. Os analistas, caríssimos, e na maioria, um lixo: um lixo Freud considerava a totalidade dos seres humanos, isso nos últimos anos de sua vida sem muita ilusão. Ele não conheceu seus discípulos. E por acaso é com o analista que se comenta o filme na saída do cinema? O livro. O sabor do vinho, esse gosto meio frisante, hen?”29 de Janeiro, pág. 24

“(...) ninguém morre. É que os mortos são discretos. Tão silenciosos. Os braços de éter, a voz de aragem. Habituada ao mundo visível, você se desespera com a aparente ausência, quer tocá-la e não atinge.”Fragmentos da Carta à Mãe em Prantos, pág. 50

“Para a Sibéria deveriam ser mandados os narcisos em delírio num pequeno estágio de humildade. Os ventos passam, os homens passam e ninguém sabe.”A Mulher de Omsk, pág. 55

Entre lembranças, fantasias, contos e inquietudes, desfrutamos à indispensável mesa de Lygia de seu real e imaginário, que aconchega, conduzindo-nos à introspecção, assim como o Caldo de Frango, servido quente, em noite solitária, ao som da clássica Canon, de Pachelbel.