30 de setembro de 2010

FEIOS



Como seria o mundo se todos nós, na adolescência, o ápice do período da aceitação, fôssemos submetidos a uma cirurgia para nos tornarmos belos e perfeitos? E se, a partir daí, nossa vida fosse repleta de diversão, festas e muito glamour?

Esse é o cardápio de Feios, que com um ritmo frenético e juvenil vai página a página servindo-nos a história de Tally Youngblood, uma jovenzinha que vive ansiosa à espera do momento em que finalmente se tornará perfeita com a cirurgia, presente-obrigatório do governo e passaporte que lhe possibilitará viver em uma das torres iluminadas e borbulhantes da cidade de Nova Perfeição, tendo como única preocupação divertir-se com o luxo e a badalação que só a beleza pode proporcionar.

Mas como nada é simples na vida de um adolescente, também nos servimos dos conflitos internos da protagonista.

Tratando questões como diversidade, personalidade, individualidade e estética, tendo a beleza como parâmetro definitivo, Scott Westerfeld “corrige” a “injusta” convivência entre belos e feios transformando todos em perfeitos, ao mesmo tempo em que nos faz refletir sobre o que está do outro lado do espelho, e que não é nada bonito: o preço a ser pago para enquadrar-se aos padrões.

“Claro. Até parece que as coisas eram maravilhosas quando todo mundo era feio. (...) Todo mundo julgava todo mundo pela aparência. As pessoas mais altas conseguiam empregos melhores, e o povo votava em certos políticos só porque eles não eram tão feios quanto a maioria. (...) E as pessoas se matavam por coisas como uma cor de pele diferente. (...) Então, qual é o problema de as pessoas serem mais parecidas agora? É o único jeito de tornar as pessoas iguais.”Página 47

“Não quero ser uma feia para o resto da vida. Quero aqueles olhos e lábios perfeitos, quero que todos me vejam e fiquem impressionados. E que todos que me virem perguntem ‘quem é ela?’ e queiram me conhecer e queiram ouvir o que tenho a dizer.”
Página 94

“(...) E agora todos são felizes, porque todos são iguais. Todos são perfeitos. (...) Talvez as guerras e todas as outras coisas tenham acabado simplesmente porque não há mais controvérsias, discordâncias ou pessoas reivindicando mudanças. Apenas massas de perfeitos sorridentes. E algumas outras pessoas que controlam tudo.”
Página 260

O gosto da obra futurista e escapista de Westerfeld assemelha-se muito ao paladar de Amendoins Japoneses, que ingeridos despretensiosamente levam-nos a acabar com uma porção e imediatamente pedir a próxima, nesse caso, os próximos da série: Perfeitos, Especiais e Extras.

Para embalar a leitura de Feios, que figurou na lista de Best Sellers do The New Yourk Times, Vanity, de Lady Gaga, porque com certeza é "isso" que toca nas torres de Nova Perfeição.

21 de setembro de 2010

EU E OUTRAS POESIAS



Eu e Outras Poesias é o único livro publicado de Augusto dos Anjos, autor, sem precedentes, de mazelas, angústias, humilhações e toda espécie de desgraça que se possa imaginar.

Seu texto não cozido serve-nos uma perspectiva indigesta de mundo e relacionamentos, capaz de nausear estômagos sensíveis e gerar repulsa mesmo àqueles que apreciam pratos exóticos.

Poeticamente agressivo, literariamente orgânico, Eu e Outras Poesias expressa as verdades nuas e cruas de um autor melancólico e pessimista, deixando na boca o gosto bruto de um prato com ínfimo preparo, tal qual o Carpaccio Tradicional.

“(...)
A Consciência Humana é este Morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente no quarto!”O Morcego

“(...)
Toma uma fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mal vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!”Versos Íntimos

Pela primeira vez não resisto e coloco minha colher no prato, salpicando-o com otimismo discreto de Meditação, na voz de João Gilberto, porque realmente acredito que no fim tudo dá certo.