31 de agosto de 2010

CAFÉ E BAR PONTO CHIC



Levei esse exemplar para casa acreditando que degustaria situações tipicamente cariocas, entretanto deparei-me com casos que poderiam ter acontecido em qualquer lugar do planeta, o que me trouxe certo dissabor. Tá certo que “o ser é humano” em qualquer lugar do mundo, mas quando pontuam que vão falar do “ser carioca” esperamos que isso seja feito de forma intensa, o que não aconteceu em Café e Bar Ponto Chic.

Francisco Paula Freitas convida-nos à um passeio pelo subúrbio carioca, propondo-nos histórias de humor, paixão e tragédias que temperam a cidade maravilhosa, mas sua narrativa intimista acaba nos conduzindo para a cozinha de sua casa, onde ele nos serve histórias atemporais de um mundo urbano, brasileiro, não necessariamente fluminense.

Nos vinte e sete contos de Café e Bar Ponto Chic provamos críticas sociais descritas de tal forma que para encontrarmos os meninos do Rio precisamos procurar muito, pois eles se encontram sob a ótica quase autobiográfica do autor, assim como a Carne Seca do Escondidinho sob o Purê de Mandica.

“O bom, doutor, é que que moro no Rio de Janeiro, nesta cidade maravilhosa, e o senhor sabe como é, aqui é verão o ano inteiro. Eta clima maravilhoso, isso é que é lugar! Eu moro em Ramos, o senhor conhece? Lá tem tudo, é muito bom. Vou lhe contar uma coisa: quando eu era pobre, chegava em casa cansado, suado e na mesma hora, não dava nem boa noite, tirava a camisa para a mulher lavar e pendurar logo para secar. Era a única, a que eu ia vestir no dia seguinte para, de novo, tentar arranjar algum dinheiro e garantir a sobrevivência. (...) Espantado com a inesperada loquaz sinceridade, mas decepcionado com a história, me perguntei o que continuava a fazer ali. Já o tinha visto, morrera a curiosidade. Pensei em ir-me embora. Consultei o relógio e vi que perdera a barca. A estranha bebida não era de todo má. Ficaria mais um pouco.”O Bêbado da Lanchonete, pág. 121

“Doutor Robalinho, antigo psiquiatra do Méier, recomendou a um cliente que resolvesse seu problema de angústia existencial – usava-se isso tempos atrás – com passeios à beira-mar e, já que bebia, bebesse champanhe. Quando o paciente disse não poder ir à Zona Sul para passeios nem ter dinheiro para o champanhe, Doutor Robalinho lamentou, disse que mais não podia fazer e mandou que entrasse outro. Tempos depois o cliente voltou. Curado, agradeceu ao médico e explicou: tudo bem, doutor: Praia de Ramos e Cardozo Gouveia. De litro.”Uma História de Amor, pág. 230

“Os cariocas tem um privilégio, um tipo de felicidade peculiar, qual seja o que permite ter sem possuir. Assim como um artista traz dentro de si a obra de arte, a música, a pintura, a escultura, gravadas em seu acervo mental, podendo delas dispor a hora que desejar, quem não a tem desse modo precisa tê-la na estante, na parede e no salão. Ao homem comum basta pouco. Vive bem, com o necessário. Futebol, música, praia e cerveja compõem a base da sua alegria. No dicionário do carioca, a cooperação, o riso, a alegria valem mais que a competição. Porém, cuidado. Nada de idealizar muito a cidade. Ela é como todas. Aqui se ama, odeia, mata e se vive como em qualquer outra. Incomum, rara mesmo, é a sua beleza. Se bobear, desfalece.”Uma História de Amor, pág. 233

Se o Escondidinho de Carne Seca promete uma surpresa a cada garfada, Francisco Paula Freitas surpreende-nos ao nos servir um prato que não era o escolhido do cardápio, mas que vale pela sensibilidade e inspiração.

Bom, já que o livro não é tão carioca, experimente degustá-lo ouvindo Tim Maia, o carioca da gema.


19 de agosto de 2010

O DIABO VESTE PRADA



Pode parecer, mas O Diabo Veste Prada não possui tempero exclusivamente fashion, servindo muito bem à todos que querem se divertir com um texto très chic.

Tendo como cenário o universo da moda internacional, comandado por jornalistas e estilistas, o livro trata dos sabores e dissabores de se estar nesse meio, no qual o que você veste determina quem você é, além de ser um prato cheio para discussões acerca do mundo corporativo.

As principais figuras deste badalado evento que é O Diabo Veste Prada são Miranda Priestly, uma odiada, impetuosa e obcecada editora chefe de uma grande revista de moda, e Andrea Sachs, uma jornalista recém formada e brigada com o guarda-roupas que vai trabalhar como sua assistente, “o emprego que milhões de garotas matariam para ter.”

Entre figurinos exclusivos criados por estilistas famosos, usados por quem pode sustentear, editores sedutores e fashionistas ambiciosos, Lauren Weisberger traz no livro uma fatia de sua própria história, período em que trabalhou na Vogue como assistente de uma editora não menos exigente que Miranda.

“’(...) Desça e pegue seus jornais e deixe-os como lhe ensinei. Quando acabar, limpe sua mesa e deixe um copo de Pellegrino no lado esquerdo, com gelo e limão. E verifique se não falta nada em seu banheiro, o.k.? Vá! Ela já está no carro, de modo que deve chegar em menos de dez minutos, dependendo do trânsito’. Quando saí correndo da sala, ouvi Emily discando, sucessivamente, ramais de quatro dígitos e quase gritando: ‘Ela está a caminho. Avise todo mundo.’ Só precisei de três segundos para percorrer o corredor sinuoso e atravessar o departamento de moda, mas já escutei gritos de pânico: ‘Emily disse que ela está a caminho’ e ‘Miranda está chegando!’. (...) Assistentes se puseram a arrumar as roupas freneticamente nas prateleiras das paredes, e editoras dispararam para suas salas, e vi uma mudando seus sapatos de salto baixo para um de saltos finos de dez centímetros, enquanto outra passava batom, rímel e ajustava a alça do sutiã sem nem diminuir a velocidade. (...) tinha dez minutos para me preparar para o primeiro encontro com Miranda, como a sua atual assistente, e não ia estragá-lo.”Pag. 117


Divirta-se com o livro ao som de Labels or Love, Fergie.

17 de agosto de 2010

O SEGREDO DE LUÍSA


Um almoço corporativo é o melhor paralelo para O Segredo de Luísa, o livro de receitas do empreendedorismo (se bem que neste caso o equivalente gastronômico está mais para a sobremesa...).

Elegante, simples e objetivo, como um bom almoço de negócios deve ser, O Segredo de Luiza trata da cultura empreendedora com leveza e maestria, transformando seu autor, Fernando Dolabela, no queridinho dos cursos de graduação e especialização.

As orientações para sobrevivência em um mercado altamente competitivo é muitíssimo bem temperada com a história da jovem Luísa, cujos predicados relacionam-se ao perfil do empreendedor, considerando os conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à realização de doces sonhos profissionais.

A estrutura proposta por Dolabela surpreende os que estão acostumados à literatura técnica, oferecendo a alternativa de simplesmente conhecer a história de Luísa ou se aprofundar em temas como marketing, finanças, administração e plano de negócio.

À medida que saboreamos este prato vamos percebendo nossa própria “nutrição empreendedora”, pois aprendemos juntamente com a personagem como desenvolver nosso talento empresarial, mesmo que não tenhamos nenhuma experiência.

Saboroso, dinâmico e lúdico, O Segredo de Luísa é leitura obrigatória para aqueles que pretendem se destacar no mercado, empresários ou não, pois para empreender basta adotar uma postura empreendedora no trabalho.

À esse almoço corporativo ofereço como sobremesa a boa e velha Goiaba Cascão com Queijo Minas, servido na forma de Sorvete. Afinal, empreender também é surpreender.

“(...) para você ter sucesso, para sua idéia ser uma oportunidade de negócio desenhada para você, ela deve se adequar ao seu perfil, à sua pessoa. Para isso, é necessário que, além da viabilidade mercadológica e financeira, toda a atividade envolvida seja compatível com suas características pessoais: sua visão de mundo, seus valores, suas expectativas sobre o negócio, sobre quanto pretende ganhar, em quanto tempo, a qualidade e o ritmo de vida que pretende para si, as renúncias que está disposta a fazer (...)”Pág. 68

No restaurante toca Seu Jorge, Trabalhador.

3 de agosto de 2010

FILANDRAS



Filandras, de Adélia Prado, é um típico Chá Feminino Interiorano, reunindo comadres em volta de uma mesa de quitutes de modo que possam prosear vagarosamente sobre suas vidas provincianas.

As mulheres convidadas por Adélia para este encontro possuem cotidiano trivial e previsível, passado em meio à religiosidade, desejo, submissão, sonho, amor, envelhecimento e frustração, pratos que não se tornam enjoativos devido ao tempero da autora, uma mistura de complexidade e ironia.

Com nuances deliciosas, seus 43 contos apresentam monólogos suculentos, unidos por tênues e saborosos fios, filandras que ligam seus personagens e histórias.

Já a sutileza e concisão da narrativa funcionam como pedrinhas de açúcar no chá, adoçando a vida de mulheres indigestamente reais.

“O homeopata – será que escarnecendo de mim? – falou: olha, dona Afonsa, nada de hormônios, envelhecer é isto mesmo, a gente vai se mineralizando, chegou a dizer o que – no pensamento dele – é de uma lógica brutal, que a osteoporose é sinal de progressiva espiritualização. (...) ‘Tú és pó e em pó te tornarás’.”Feminina, pág. 09

“Falo assim: meu Deus, eis-me aqui, dá um jeito do Franz aparecer em nossa casa, enquanto o Miguel estiver viajando. Percebo – ai que nojo, percebo demais – que disse ‘eis-me’ e depois ‘dá’ no lugar de daí, mas não é desrespeito, é fluxo de sentimento que não tolera preocupação com a gramática (...).”Luz em Resistência, pág 17

“Agora, daquela do escritório eu tive, medo não por causa de meus outros poderes, tive inveja. A uma cintura de vespa seguia-se, instruída e fatal, o que a Oldalisa trazia com inocência. Batia à máquina , agarradinha no Teodoro, de saia justa e batom cor de sangue. O apelido dela na firma era Corrosiva, e foi Teodoro quem pôs.”- O Desbunde, pág, 52

“Tá fazendo o quê aí? Abriram um boteco novo ali em frente, ela disse, coisa de uma semana. Hoje é sexta, já são oito e trinta e até agora só entrou um freguês, mesmo assim pegou coisa pouca e saiu, coitado do boteco!”Os Piedosos, pág. 115

“Verdura, só alface refogada, não agüento coisa fria. Ovo, queijo, carne gorda, farinha e muita pimenta. Eita ferro! Doutor falou que tenho cintura é por milagre. E sabe do que mais? Quando falou isso deu desculpa de me apalpar, sei não, achei ele meio desacadêmico.”Polífona, pág. 137

“Não que eu saiba algum segredo pra lhe salvar a vida, quem sou eu, não agüento a gata pelo rabo, imagine, mas tenho preguiça de conversar com pessoas que têm horror a respostas e só tiram prazer cutucando a vida com prudência e pequenos beliscões.”Enjoamento, pág. 143

A musicalidade do chá fica por conta de Brejeiro, Yamandú Costa.