Levei esse exemplar para casa acreditando que degustaria situações tipicamente cariocas, entretanto deparei-me com casos que poderiam ter acontecido em qualquer lugar do planeta, o que me trouxe certo dissabor. Tá certo que “o ser é humano” em qualquer lugar do mundo, mas quando pontuam que vão falar do “ser carioca” esperamos que isso seja feito de forma intensa, o que não aconteceu em Café e Bar Ponto Chic.
Francisco Paula Freitas convida-nos à um passeio pelo subúrbio carioca, propondo-nos histórias de humor, paixão e tragédias que temperam a cidade maravilhosa, mas sua narrativa intimista acaba nos conduzindo para a cozinha de sua casa, onde ele nos serve histórias atemporais de um mundo urbano, brasileiro, não necessariamente fluminense.
Nos vinte e sete contos de Café e Bar Ponto Chic provamos críticas sociais descritas de tal forma que para encontrarmos os meninos do Rio precisamos procurar muito, pois eles se encontram sob a ótica quase autobiográfica do autor, assim como a Carne Seca do Escondidinho sob o Purê de Mandica.
“O bom, doutor, é que que moro no Rio de Janeiro, nesta cidade maravilhosa, e o senhor sabe como é, aqui é verão o ano inteiro. Eta clima maravilhoso, isso é que é lugar! Eu moro em Ramos, o senhor conhece? Lá tem tudo, é muito bom. Vou lhe contar uma coisa: quando eu era pobre, chegava em casa cansado, suado e na mesma hora, não dava nem boa noite, tirava a camisa para a mulher lavar e pendurar logo para secar. Era a única, a que eu ia vestir no dia seguinte para, de novo, tentar arranjar algum dinheiro e garantir a sobrevivência. (...) Espantado com a inesperada loquaz sinceridade, mas decepcionado com a história, me perguntei o que continuava a fazer ali. Já o tinha visto, morrera a curiosidade. Pensei em ir-me embora. Consultei o relógio e vi que perdera a barca. A estranha bebida não era de todo má. Ficaria mais um pouco.” – O Bêbado da Lanchonete, pág. 121
“Doutor Robalinho, antigo psiquiatra do Méier, recomendou a um cliente que resolvesse seu problema de angústia existencial – usava-se isso tempos atrás – com passeios à beira-mar e, já que bebia, bebesse champanhe. Quando o paciente disse não poder ir à Zona Sul para passeios nem ter dinheiro para o champanhe, Doutor Robalinho lamentou, disse que mais não podia fazer e mandou que entrasse outro. Tempos depois o cliente voltou. Curado, agradeceu ao médico e explicou: tudo bem, doutor: Praia de Ramos e Cardozo Gouveia. De litro.” – Uma História de Amor, pág. 230
“Os cariocas tem um privilégio, um tipo de felicidade peculiar, qual seja o que permite ter sem possuir. Assim como um artista traz dentro de si a obra de arte, a música, a pintura, a escultura, gravadas em seu acervo mental, podendo delas dispor a hora que desejar, quem não a tem desse modo precisa tê-la na estante, na parede e no salão. Ao homem comum basta pouco. Vive bem, com o necessário. Futebol, música, praia e cerveja compõem a base da sua alegria. No dicionário do carioca, a cooperação, o riso, a alegria valem mais que a competição. Porém, cuidado. Nada de idealizar muito a cidade. Ela é como todas. Aqui se ama, odeia, mata e se vive como em qualquer outra. Incomum, rara mesmo, é a sua beleza. Se bobear, desfalece.” – Uma História de Amor, pág. 233
Se o Escondidinho de Carne Seca promete uma surpresa a cada garfada, Francisco Paula Freitas surpreende-nos ao nos servir um prato que não era o escolhido do cardápio, mas que vale pela sensibilidade e inspiração.
Bom, já que o livro não é tão carioca, experimente degustá-lo ouvindo Tim Maia, o carioca da gema.